terça-feira, 28 de agosto de 2007

A guerra, I

Tiger I

Nessa mesma noite chegou à estação de correio da pequena cidade um telegrama urgente, concebido nos seguintes termos: "Subalterno Vierbein Stop Interromper imediatamente a licença Stop Pôr-se imediatamente em marcha Stop Witterer, capitão, chefe de bateria Stop.

O capitão Witterer, já muito tocado, estava sentado em frente do comandante da infantaria. O estômago deste parecia um buraco imenso que não se conseguia encher. Bebia, bebia e era como se não produzisse qualquer efeito.

— Durmo muito pouco — disse o comandante.

— Os soldados não precisam dormir muito — disse Witterer, que morria de fadiga. E Krause, sentado ao lado dele, acenou a cabeça a custo.

— Merda! — exclamou o comandante. — Se durmo pouco, é porque não posso dormir mais. Quem é que poderia dormir nesta porcaria em que estamos? Mas um destes dias vou-me abaixo — estarei maduro para o manicómio. Regozijo-me só de pensar nisso.

— Na noite em que isto vai recomeçar — disse Witterer, procurando sempre desembaraçar-se do seu convidado. — Nessa altura teremos necessidade de todas as nossas energias.

— Na noite que vem recuaremos em ordem, ao menos uma vez. Se o russo não nos perseguir, será um passeio.

— Receia complicações, meu comandante? — perguntou Witterer, cuja atenção despertara subitamente. Krause, como a sombra de seu chefe, esticou a orelha.

— A guerra é feita só de complicações — disse o comandante, indiferente.

— Em todo o caso, os nossos chefes saberão...

— Merda! — disse o da infantaria, convicto, engolindo um copo cheio e aguardente. — Fazer a guerra sobre mapas é coisa completamente diferente de estar na lama. O sangue não é lápis encarnado. Aqui rebenta-se; lá apaga-se com a borracha. Um vomita na neve os pulmões estoirados; o outro vomita porque bebeu vinho tinto em demasia.

— E se o Russo nos perseguir realmente?

— Neste caso divertir-se-á outra vez a disparar tiros de canhão, meu amiguinho.

[Fragmento: Kirst, Hans Hellmut. 08/15, a guerra. Publicações Europa-América, Lisboa, pp. 302-3.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário