sábado, 2 de abril de 2011

O juiz sorriu, dançou uma quadrilha, fez a corte e pensou consigo mesmo: não será um sonho, tudo isso? O cômodo sujo na isbá do conselho local, o feno amontoado no canto, o rumor das baratas, a mobília miserável e abjeta, as vozes das testemunhas, o vento, a nevasca, o risco de se desviar da estrada, e de repente aquelas acomodações magníficas  muito claras, o som do piano, moças bonitas, crianças de cabelos cacheados, sorrisos alegres, felizes — tamanha transformação lhe pareceu digna de um conto de fadas; e era inacreditável que uma transformação tão grande fosse possível a uma distância de apenas três verstas e a uma hora de viagem. Mas pensamentos tristes impediam que Lijin se alegrasse e ele não parava de pensar que aquilo à sua volta não era vida, mas lascas de vida, migalhas, que tudo aquilo era fortuito, não se podia tirar nenhuma conclusão definitiva; e ele até sentia pena daquelas mocinhas que vivem ali e terminam suas vidas naquele fim de mundo, na província, longe dos ambientes cultos, onde nada é fortuito, tudo é consciente, legítimo, e onde, por exemplo, todo suicídio tem uma razão de ser e pode ser explicado, porque tudo o que acontece tem um significado, no turbilhão geral da vida. 
Anton Tchekhov, O assassinato e outras histórias. Trad. Rubens Figueiredo, Cosac Naify, São Paulo, 2002, p. 176  — Em serviço.
— No tempo da servidão era melhor — disse o velho, enquanto enrolava seda. — O sujeito trabalhava, comia, dormia, tudo na sua hora. No almoço tinha sopa de repolho e mingau, de noite também davam sopa de repolho e mingau. Pepino e couve, isso tinha à vontade: a gente comia livremente, o quanto a alma quisesse. E havia muita severidade. Todo mundo andava na linha.
Anton Tchekhov, O assassinato e outras histórias. Trad. Rubens Figueiredo, Cosac Naify, São Paulo, 2002, p. 116  — Os mujiques.
Mária contou que nunca estivera  em Moscou e nem mesmo na sede do seu distrito natal; era analfabeta, não sabia dizer nenhuma prece, nem sequer o "Pai nosso". Ela e a outra nora, Fiokla, que agora estava sentada a certa distância e as escutava eram extremamente ignorantes não conseguiam entender coisa alguma. Não gostavam de seus maridos; Mária tinha medo de Kiriak, chegava a tremer de pavor quando estava com ele e, perto do marido, sempre se sentia desnorteada, tão forte era o cheiro de vodca e tabaco que ele exalava.
Anton Tchekhov, O assassinato e outras histórias. Trad. Rubens Figueiredo, Cosac Naify, São Paulo, 2002, p. 96-7  — Os mujiques.
Em honra às visitas, prepararam o samovar. O chá tinha cheiro de peixe, o açúcar estava roído e cinzento, sobre o pão e a louça circulavam baratas; beber aquilo era repugnante e a conversa também era repugnante — só falavam de miséria e de doença.
Anton Tchekhov, O assassinato e outras histórias. Trad. Rubens Figueiredo, Cosac Naify, São Paulo, 2002, p. 94  — Os mujiques.