Excertos do Jovem Törless de Robert Musil.
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— Sim, uns trechos novos de trigonometria, mas você vai acertar tudo, não há novidade.
— O que mais?
— Religião.
— Religião? Ah, é. Vamos ver... Acho que, quando estou animado, posso provar tão bem que dois mais dois são cinco quanto que só pode existir um Deus..." p. 28
"...
Törless entregou-se inteiramente à fluência deles, pois sua condição espiritual era mais ou menos a seguinte: em sua idade lia-se no ginásio Goethe, Schiller, Shakespeare, talvez até os modernos. Coisas que, semidigeridas, mais tarde são exteriorizadas por escrito, e surgem tragédias romanas ou poemas sentimentais, páginas inteiras de pontuação semelhante a uma renda delicada: coisas em si tolas, conquanto inestimáveis para que se tenha um desenvolvimento seguro. Pois essas associações, vindas de fora, essas emoções tomadas de empréstimo, ajudam os jovens a caminhar sobre um solo espiritual excessivamente macio desses anos, nos quais eles têm necessidade de descobrir o sentido de si próprios, ainda que imaturos demais para fazerem qualquer sentido. Não importa que alguns guardem vestígios disso e outros não; mais tarde todos aprenderão a conviver consigo próprios. O perigo reside apenas na idade de transição. Se nessa fase pudéssemos fazer o adolescente ver o quanto é ridículo, o chão abriria sob seus pés e ele despencaria como um sonâmbulo que, subitamente despertado, não vê senão um vácuo à sua frente." p. 14-15
"...
Mas já no dia seguinte teve uma grande decepção. Pela manhã, comprara o volume de Kant que vira na mesa do professor, e no primeiro intervalo pôs-se a ler. Mas com tantos parênteses e notas de rodapé, não entendia nada; e quando seguia escrupulosamente as linhas com os olhos, era como se uma velha mão descarnada fizesse seu cérebro girar em espirais, arrancando-o de dentro do crânio.
Quando, meia hora depois, parou exausto, havia gotas de suor em sua testa — e chegara apenas à segunda pagina.
Apertou os dentes e leu mais uma página até o intervalo acabar.
À noite, já não desejava nem tocar no livro. Medo? Repulsa? Não sabia. Só uma coisa o atormentava, nítida: era que o professor, pessoa de aparência tão apagada, tivesse aquele livro bem exposto no quarto, como se ele fosse uma diversão cotidiana." p. 108
Extraídos de O Jovem Törless. MUSIL, Robert. Ed. Nova Fronteira. Trad. Lya Luft. Rio de Janeiro, 1981.
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