segunda-feira, 7 de março de 2011

remédios brutos

Lembrava-me de outro indivíduo infeliz, um sertanejo que vi há muitos anos, quando ele saía da prisão depois de cumprir sentença. Era um cearense esfomeado que tinha aparecido na vila em tempo de seca. Esmolambado, cheio de feridas, trazia escanchada no pescoço uma filhinha de quatro anos. Tinham ido morar na rua das putas e viviam de esmolas. Um dia as vizinhanças ouviram gritos na casinha de palha e taipa que eles ocupavam. Juntaram-se curiosos, olharam por um buraco na parede e viram o homem na esteira, nu, abrindo à força as pernas da filha nua, ensangüentada. Arrombaram a porta, passaram o homem na embira, deram-lhe pancada de criar bicho — e ele confessou, debaixo do zinco, meio morto, que tinha estuprado a menina. Processo, condenação no júri. Anos depois os médicos examinaram a pequena: estava inteirinha. O que havia era sujidade e um corrimento. Tratando a menina com remédios brutos da medicina sertaneja, o homem tinha sido preso, espancado, julgado e condenado.
Graciliano Ramos, Angústia. 25ª Ed., Record, São Paulo, 1982, p. 68.

Nenhum comentário:

Postar um comentário