o fogo se apagou
Homem de poucas palavras, trabalhador, o sujeito mais sério do mundo. Dedicava-se a vários ofícios, era agricultor, redigia procurações e petições. Beirando os setenta, começou a vender macacos. Os olhos cansaram, a memória emperrou, os braços descarnados não tiveram força para manejar a enxada, a garlopa, o martelo de ferreiro e a tesoura de metais. Seu Evaristo fabricava muitas coisas, mas não se ajeitava em nenhuma profissão. E quando a velhice chegou, sentiu-se fraco, uma tremura nos dedos, que seguravam mal o cajado. Andando formava dois arcos: um por detrás, nas pernas, outro adiante, no peito; sentado firmava as mãos na extremidade do cacete, e sobre as mãos, duras e peludas, de veias enormes, assentava o queixo, donde pendiam pelancas escuras que balançavam com teias de pucumã. Foi baixando, baixando, e na casinha que se escondia na Rua da Cruz o fogo se apagou. Nos meses compridos daqueles invernos de serra seu Evaristo e a mulher tremiam e começavam a tresvariar, porque a fome era grande. À noite andavam tropeçando nos cacarecos, pois na casa não havia candeia, olhavam a rua triste sob a chuvinha impertinente de que embaçava os vidros dos lampiões esmorecidos. Apertavam-se para enganar o frio [...].
Graciliano Ramos, Angústia. 25ª Ed., Record, São Paulo, 1982, p. 156-7.
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