sexta-feira, 4 de março de 2011

Escrever

Habituei-me a escrever, como já disse. Nunca estudei, sou um ignorante, e julgo que meus escritos não prestam. Mas adquiri cedo o vício de ler romances e posso, com facilidade, arranjar um artigo, talvez um conto. Compus, no tempo da métrica e da rima, um livro de versos. Eram duzentos sonetos aproximadamente. Não me foi possível publicá-los, e com a idade compreendi que não valiam nada. Em todo caso acompanharam-me por onde andei. Um dia na pensão de d. Aurora, o meu vizinho Macedo começou a elogiar um desses sonetos, que por sinal era dos piores, e acabou oferecendo por ele cinqüenta mil-réis. Nem foi preciso copiar: arranquei a folha do livro e recebi o dinheiro, depois de jurar que a coisa estava inédita. Macedo transigiu comigo umas vinte vezes. Infelizmente voltou para São Paulo sem concluir o curso.  Desde então procuro avistar-me com moços ingênuos que me compram esses produtos. Antigamente eram estampados em revistas, mas agora figuram em semanários da roça, e vendo-os a dez mil-réis. O volume está reduzido a um caderno de cinqüenta folhas amarelas e roídas pelos ratos.
Graciliano Ramos, Angústia. 25ª Ed., Record, São Paulo, 1982, p. 47.

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