sábado, 18 de dezembro de 2010

Dia

Levantei ao fim da manhã, depois de um estado de semissonolência que me prostrou por bem mais de uma hora; estive a dormir em meio a bagunça, um Nietzsche aqui, Nassar e Rahimi juntos, como que em par, algumas peças de roupas pela cama, um Saramago que estive a ler antes de adormecer na cabeceira, logo ao lado do meu despertador que encantadoramente não se manifestou ao fim da madrugada. É sábado. E a cama, ampla. Ao levantar me prostrei por longas três horas diante do computador, só, sem entabular conversa com ninguém, embora tivesse conectado a três comunicadores. Teimosamente deixei uma janela de conversação aberta, mesmo sabendo que inexoravelmente não conversaria. Passadas as horas, almocei e, depois, passei um tempo curto, não mais que dez minutos, ao telefone. A única forma de diálogo algo duradoura que não fosse, hoje, menos que um mero gracejo. Diálogo tal e qual a todo instante eu tentava observar algum contentamento nos timbres que me chegavam aos ouvidos; não tive tanta felicidade, senti certa tristeza, mesmo algum embaraço, como quem não anseia falar, a conversa durou poucos minutos, senti na voz que me falava, no final das contas, a vontade de encetar um rumo agradável à conversa, algo que me deixou sumamente feliz, mas a conversa já findava, aliás, me amesquinhei nessas poucas palavras doces para por termo a ela; menos de dez minutos, desligamos. Prostrei-me na cama e estertorei num sono curto, equivocado, que me rendeu um sonho de tessitura real e mórbida. Acordei num sobressalto, gastei um tempo estéril a divagar sobre o sonho como quem faz uma autoanálise em busca das motivações inconscientes que engendram tais torpores mentais. Senti-me ignóbil por me ter concedido a sesta: sempre que assim procedo padeço longas horas até conciliar sono à noite. Levantei-me, fui lavar louça do almoço, ensejando não dar vazão às conjecturas que me sobrevinham. Louças lavadas; o cheiro da comida persistia na cozinha e causava fastio. Voltei ao computador, tentei trabalhar, não consegui. Azedume. Livrei-me da languidez das conjecturas. Pensei em por ordem às coisas, a cama, o quarto. Nassar e Rahimi ainda estavam em par, havia um Weber empoeirado na escrivaninha, o que me deixou embaraçado comigo mesmo; os lençóis permaneciam caóticos. O quadro não era de modo algum promissor, afinal havia ainda algumas garrafas vazias, cinzeiros repletos e nauseabundos. Guardei o Weber na estante fazendo uma reverência estúpida a esse tipo recalcitrante. Quando me vi estava só e disseram-me para dar cabo das sobras do almoço se me apetecesse. Não encetei conversas quaisquer. Pus-me a ler sobre cinema, teoria literária e cinema novamente e, mais uma vez e por teimosia, teoria literária. Nessas leituras, desejei mais uma conversa. O telefone chamou até a ligação cair. Por duas vezes, metodicamente. Amuei-me. Depois de menos de uma hora, o telefone toca. Não fui feliz; as palavras me saíam tortas, desabridas, como que flutuando muito acima do contexto; os timbres me eram claros, esboçavam enfado e cansaço, muito embora me alegrassem; afinal os ouvia. Apurei a audição; não deixei escapar nenhum tom, nuance; objetivei dar alento, soei alarmante; a conversação durou um pouco mais, as palavras que ouvi, me confortaram, embora não possa dizer o mesmo das que proferi; fui desastrado; no entanto, estava amesquinhado no meu contentamento. Fiquei a digerir criticamente a falta de jeito, de cuidado; desejei me embebedar: assim o fiz.

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