quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Falastrão

— Eu?
—Sim, você! O falastrão aqui é você! Quem mais poderia ser, diabos?
— Creio que, para um amigo, Fernando, você é um cara muito rude.
— Eu um tipo muito rude? Na verdade não. Você é que é um rapaz altamente sensível. E míope. Aliás, a sua miopia progride na exata medida da sua sensibilidade. Daí, quanto menos você vê, mais sensível fica.
— Por que me diz isso?
— Por que digo isso, António? Você deveria fazer sentido, enfim, você deveria levar suas ideias até o fim. Mas não, fica a me olhar com esses olhos de cão que acabou de apanhar dono sem...
— Mas — interrompe Fernando, exasperado — eu não estou entendendo.
— Claro, e se você continuar a me interromper, não vai mesmo compreender. O caso é que você fica aí com esses olhos de cão que acabou de apanhar do dono, fica aí como quem não entendeu, como uma vítima indefesa. O fato é que você deixa os demônios que existem apenas na sua mente a conduzir sua vida como se eles fossem efetivamente reais. E não são! Você, se continuar assim, vai ficar muito mais próximo da esquizofrenia do que de mim ou qualquer outro chegado seu. Mas não, dá razão aos demônios. E depois que os lança no focinho dos outros, fica atônito e sem entender as reações das pessoas.
— Mas você está falando do que eu te mencionei.... sobre a... — Pergunta António, com ares contrariados.
— Não, Antônio, estou falando sobre suas conjecturas epistemológicas! É evidente que sim, oras! Que tipo de cara é você? Dá vazão apenas a coisas ruins que poderiam acontecer apenas numa guerra mundial. Ninguém é tão pessimista assim, mas o problema é que seus pensamentos não têm relação com o real. E você os inventa! Os ouve e os despeja nos ouvidos alheios como se eles fossem latrinas. Em vez de dar cabo dos seus demônios por você mesmo, você, ao contrário, lança-os sem refletir com mais cuidado na primeira oportunidade que se lhe apresenta. E quem é que suporta isso, um cara que fala pelos cotovelos as primeiras e, claro, as piores impressões que tem a respeito de tudo o que se passa? Mesmo assim, as coisas ainda estão bem. Você ainda tem a sua pequena, o trabalho, os estudos, enfim, mas tome nota que, se continuar assim, isso não durará para sempre.
— É, é um tanto duro, mas acho que você tem razão...
— É evidente que tenho razão! E não tem nada de muito duro. Você é que é muito mole. E tome tenência, pois se continuar assim serei eu mesmo que o trancarei no manicômio.

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