sexta-feira, 4 de março de 2011

Aul destruído

Sado, em casa de quem Khadji-Murát se detivera, fora com a família para as montanhas, quando os russos se aproximaram do aul. Voltando, encontrou a sua sáklia destruída, o telhado derrubado, a porta e os postes da galeria queimados  e todo interior da casa coberto de imundície. O seu filho, aquele rapazinho bonito, de olhos coruscantes, que tinha olhado com deslumbramento para Khadji-Murát, fora trazido morto para a mesquita, sobre um cavalo coberto com uma japona. Tinha as costas atravessadas por uma baioneta. A mulher de ar venerável, quer servira a refeição a Khadji-Murát durante a sua visita, estava agora com a camisa rasgada no peito, deixando à mostra os seios decrépitos, pendentes, e, os cabelos soltos, mantinha-se curvada sobre o filho, dilacerando o rosto com as unhas e vociferando sem cessar. Sado apanhara a pá e a picareta e fora com os parentes cavar o túmulo do filho. O velho avô estava sentado contra a parede da sáklia destruída e, afinando uma vareta, olhava estupidamente diante de si. Acaba de voltar do seu comeal. Foram incendiada as duas medas de feno que lá havia, quebradas e queimadas as cerejeiras e os abricoteiros plantados pelo velho e, sobretudo, destruídas todas as colmeias. Ouvia-se o uivar das mulheres em todas as casas e na praça, aonde foram levados mais dois corpos. As crianças pequenas urravam, acompanhando as mães. Urrava também o gado faminto, que não recebia mais nada para comer. As crianças mais crescidas não brincavam, encarando os adultos com olhos assustados.
Liev Tolstói, Khadji-Murát. Tradução Boris Schnaiderman, Cosacnaify, p. 154-5.

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